Afinal, quem manda no Irã? Entenda o sistema político do país | Mundo

Redação
Por Redação

O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, foi declarado morto na noite de domingo (19) após a queda de um helicóptero, informou a rádio estatal “Irna”. Diferentemente de países republicanos, como o Brasil, o chefe de estado iraniano não é a principal figura política do país. Na verdade, o maior detentor de poder do Irã é o líder supremo, atualmente representado pelo Aiatolá Ali Khamenei.

“A morte de Raisi não é banal. Ele é uma figura diplomática muito importante, tanto para o ambiente externo quanto interno. Mas a grande figura ainda é o Aiatolá. O presidente é o segundo cargo mais importante no Irã, assegurando as vontades do líder supremo” , explica Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A estrutura política iraniana funciona de forma distinta da maioria dos países republicanos. O Irã é considerado um país com sistema de governo misto, uma vez que a constituição do país, promulgada em 1979 após a revolução islâmica, determina um funcionamento teocrático — sistema governamental no qual as ações políticas, jurídicas e policiais são submetidas a regras e supervisão de figuras religiosas —, mas há voto popular.

Dessa forma, o executivo, o legislativo e o judiciário do Irã são supervisionados por vários órgãos influenciados pelo clero. Ainda assim, o país tem similaridades com o sistema democrático, na medida que a população vota para a constituição do parlamento, presidente e outras instituições.

Quais são as atribuições do líder supremo?

De acordo com a Britannica, o líder supremo do Irã tem o poder de articular os principais assuntos externos e internos do país, como questões de segurança, constituição de colegiados políticos e atuação externa.

Amaral explica que a atribuição do líder supremo é ter a palavra final e a vontade direcionadora de todas as políticas do Irã, enquanto o presidente tem a função de assegurar que as ordens sejam cumpridas.

O Aiatolá ainda terá a prerrogativa de nomear os oficiais superiores das Forças Armadas e da Guarda Revolucionária, a escolha de 6 membros clericais do Conselho dos Guardiões — órgão de 12 membros que tem o poder de vetar candidaturas — e membros do judiciário, além de poder destituir o presidente do Irã.

“Apesar de o Aiatolá poder destituir o presidente, se você pegar o histórico iraniano, o direcionamento presidencial do país é muito estável, não é visto o Aiatolá interferindo muito nas decisões ou pedindo destituições. Então nem toda liderança iraniana pensa igual”, disse Amaral.

O líder também é responsável pelas declarações de guerra e é o comandante-chefe das forças armadas do Irã.

Quem nomeia o líder supremo?

Diferentemente de sistemas republicanos, o líder supremo do país não é nomeado por meio do voto popular.

No caso do Irã, o Aiatolá é escolhido por um grupo de pessoas chamado de Assembleia de Especialistas — um colegiado composto por 88 clérigos especialistas na jurisprudência islâmica que devem escolher a pessoa. O líder supremo deverá ser selecionado com base na experiência na lei islâmica e perspicácia política.

Já o colegiado da Assembleia de Especialistas é escolhido por meio do voto direto, com um mandato de 8 anos. O líder supremo, por sua vez, é um cargo vitalício.

As eleições devem ser realizadas pelo menos a cada quatro anos, dependendo do cargo, e serão supervisionadas pelo Conselho dos Guardiões.

Um exemplo dessa sabatina aconteceu nas eleições legislativas do país em 2024, quando apenas 138 nomes receberam a aprovação para concorrer ao parlamento dentro de 510 nomes registrados. O comparecimento de votantes foi de apenas 40,64%.

Até o momento, o Irã foi comandado por dois Aiatolás: Ruhollah Khomeini (de 1979 até 1989) e Ali Khamenei (1989 até o momento). Ambos os líderes supremos foram escolhidos pela Assembleia de Especialistas.

O líder supremo pode ser destituído?

Além de determinar quem será o líder supremo, a Assembleia de Especialistas também será responsável por supervisionar o Aiatolá em suas ações e terá a prerrogativa (em teoria) de destituí-lo.

No entanto, a Assembleia de Especialistas não é totalmente isenta em sua constituição. Apesar de serem eleitos por meio de voto direto, os candidatos ao cargo são sabatinados pelo Conselho dos Guardiões, no qual metade dos constituintes é selecionada pelo líder supremo e a outra metade pelos próprios parlamentares, que também passam pela mesma sabatina.

Nessa linha, Amaral pondera que a própria estabilidade nos cargos de alto escalão do Irã possam ter relação com a sabatina prévia realizada pelos órgãos colegiados.

Quem será o próximo presidente do Irã?

Após a morte de Raisi, o Aiatolá Khamenei disse hoje que o primeiro vice-presidente, Mohammad Mokhber, será o presidente interino do país até a realização de novas eleições em 50 dias.

Além de Raisi, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Ali Bagheri Kani, também foi dado como morto. A televisão estatal informou que a queda do helicóptero se deu por conta do mau tempo, que também prejudicou a capacidade de busca e resgate.

Khamenei ainda procurou tranquilizar os iranianos, dizendo que não haveria interrupção nos assuntos de Estado. Mokhber, de 69 anos, é uma figura política experiente e tem laços estreitos com o Aiatolá.

A constituição do Irã prevê que, se um presidente morrer no exercício do cargo, o primeiro vice-presidente assume por um período interino de 50 dias, com a aprovação do Líder Supremo.

Qual a função do presidente do Irã?

O presidente iraniano também é eleito por meio de voto universal adulto. O cargo, no entanto, foi considerado como “cerimonial” até julho de 1989, quando foi feita uma reforma constitucional atribuindo o poder de voto à população e outras fuções ao cargo.

Agora, o chefe de estado terá a prerrogativa de selecionar cargos estratégicos, como seus ministros e os assentos para o Conselho Supremo de Segurança Nacional, que supervisiona a defesa do país.

Dessa forma, Amaral explica que o presidente terá a atribuição de gerir o país tanto nas políticas externas quanto internas, mas a palavra final seguirá com o Aiatolá.

*Estagiário sob a supervisão de Diogo Max

Fonte: valor.globo.com